sábado, 25 de fevereiro de 2012

Meia noite


- “Você jogou fora, o amor que eu te dei, os sonhos que sonhei. Isso não se faz...”
(Aplausos... E risos quase sem fim)...

O relógio marcava pouco menos de meia noite, numa dessas noites em que o silêncio domina, com autoridade, o cenário do tempo e de nossa intimidade, só admitindo, em raríssimos atos, o breve sussurrar de coadjuvantes ventos circulares.
Eu me achava debruçada sobre algum escrito de Pessoa, Drummond ou Câmara, praticamente a sós com minha calma, não fossem as presenças de Thalya, a meus pés, implorando migalhas de carinhos e o estalar de dois ou três biscoitos a furtar-me o sono...
Quando, num sobressalto, interrompi qualquer leitura e me voltei ao som de um sem número de vozes, todas verdejantes, a entonar num uníssono quase ensaiado, os versos que ousei transcrever acima.
Era alguma canção, simplesmente. Um triste desabafo que alguém derramou no papel e que, naquele instante, experimentava uma suave alquimia, comum às composições musicais casadas com vozes de autênticos artistas e sob a bênção da lua.
Eram crianças que cantavam a dor do mundo crescido; Eram crianças que me convidavam a ter vontade de lágrimas;
Foram sons infantis que gritaram, em meio a sinceros e expressivos sorrisos, o esfacelamento dos encantos e cores da vida adulta...
Jogar fora o amor? Desfazer-se dos sonhos?
Ah, crianças... Inocentes crianças!
Meia noite é cedo demais para, num canto, contarem com entusiasmo, as chagas de quem cresceu...
E, assim também, antever o destino a que grande parte dos pequeninos está fadada!
Meia noite era cedo demais para vocês revelarem aos quatro cantos, num simples e antigo canto, segredos que guardei...
De que alguém descartou os sonhos, os amores e os sofrimentos meus...
Quisera minha voz se misturar às suas, quisera eu não ter desaprendido a linguagem da pureza;
Quisera eu ser compreendida ao dizer-lhes, com afinco e afeto, que me disponho a ajudar-lhes: seja cultivando sonhos, seja impedindo que alguém lhes roube, seja, enfim, aconselhando-os a jamais esquecer nobres esperanças em qualquer parte do caminho, só porque têm algum peso...
Oh, doces crianças...
Quisera eu ser suficientemente influente, para lhes transformar, tão desprotegidas sementes, em árvores de amar e sonhar...
Só para eu lhes poder ouvir, árvores, entonar o seguinte canto a qualquer sequestrador de sentires seus:
- Sinto dizer-lhe, mas seu relógio se atrasou! Meia noite é tarde demais para roubar-nos a doçura de ser gente grande e viver feliz! ...

(Risos... Aplausos... e pausa para sonhar!)


(Nilmara Carvalho)

2 comentários:

  1. Que lindooo *-*
    Ameii demais seu texto minha flor.
    Adoro poder apreciar suas doces e belas palavras ;]

    By: Jessica Nascimento

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    1. Sutilmente lindo!!
      Que mais dizer?? Ultrapassa os elogios...

      Catiti

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