“Antero
chegou. Antes não tivesse vindo. Talvez assim eu continuasse mergulhada no
desejo de sua presença. Tê-lo ao alcance das mãos desencadeou meu desencanto.
(...) Eu já sabia de suas intenções. Foram dois anos de correspondência trocada
com regularidade espartana. (...) Antero estava em cada frase. No papel, o peso
de sua alma. Falas embebidas de amor e promessas de fidelidade. Tudo me tocava.
(...) Durante o tempo das cartas eu o quis, eu o desejei, eu o amei.
Desembrulhei em cada envelope recebido um detalhe de homem que se encaixava
perfeitamente ao contexto de minhas expectativas. E por isso amei o amor
distante, o beijo ausente, o abraço imaginado. (...) Acendi o fogo da paixão.
Revesti Antero de perfeição.
Por
isso augurei ardentemente o seu retorno. Queria tomar posse daquela terra
prometida, findar meu êxodo, meu exílio. Ansiava por ver chegar o homem que
abriria o Mar Vermelho de minha vida (...).
Chovia
muito na manhã de sua chegada. (...) Abri a porta com o intuito de desvanecer o
sentimento aterrador, mas imediatamente senti desabar as estruturas do sonho
edificado. O Antero real não era o mesmo Antero das cartas. (...) Nenhuma
distância se desdobrava de seu corpo, nenhum mistério ardia em seus olhos.
Minha
contradição. Eu, que tanto reclamava em cartas a urgência de seu retorno, de
repente, estava ali, desejosa de que ele reencontrasse a estrada que o
trouxera. Eu, que augurei o entrelaço de seus braços, o calor de seu hálito a
segredar-me confissões amorosas, o toque libidinoso de sua conduta de homem,
via-me ali, aterrada no desconforto de minhas desilusões, vendo ser mitigadas
as esperanças que durante tanto tempo alimentaram minha alma e a fizeram
sobrevivente.
(...)
Queria livrar-me daquela imposição material, virar-lhe as costas, reassumir o
sossego do amor ausente, a carícia não cumprida, voltar a habitar o imaginado
caminho que nunca nos permiti chegar.
O
alimento do amor é a espera. A realização do desejo esgota a chama que o
alimenta. O ausente desejado é infinitamente superior ao real recém-chegado.
(...)
O
meu desprezo fez do coração de Antero a casa da aflição. (...)
Mas
eu ainda espero é pelo Antero das cartas, aquele homem imaginado, distante,
albergue onde se alojavam todos os mistérios do mundo, o homem miraculoso que
visitava minha alma e nela espargia cestos fartos de esperança.
(...)
No ventre de minhas ausências, eu gestei um homem, um intruso que se alimentava
de minhas expectativas (...) É por ele que anseio todos os dias.
(...)O
homem que amo não nasceu. (...) Olho para o meu rosto no espelho e descubro.
Esse homem que tanto amo, espero e desejo sou eu mesma.”
Trecho de "O desapontamento do Amor" – Orfandades
Pe. Fábio de Melo