sexta-feira, 6 de julho de 2012

Pensou que amou!



 “Antero chegou. Antes não tivesse vindo. Talvez assim eu continuasse mergulhada no desejo de sua presença. Tê-lo ao alcance das mãos desencadeou meu desencanto. (...) Eu já sabia de suas intenções. Foram dois anos de correspondência trocada com regularidade espartana. (...) Antero estava em cada frase. No papel, o peso de sua alma. Falas embebidas de amor e promessas de fidelidade. Tudo me tocava. (...) Durante o tempo das cartas eu o quis, eu o desejei, eu o amei. Desembrulhei em cada envelope recebido um detalhe de homem que se encaixava perfeitamente ao contexto de minhas expectativas. E por isso amei o amor distante, o beijo ausente, o abraço imaginado. (...) Acendi o fogo da paixão. Revesti Antero de perfeição.
Por isso augurei ardentemente o seu retorno. Queria tomar posse daquela terra prometida, findar meu êxodo, meu exílio. Ansiava por ver chegar o homem que abriria o Mar Vermelho de minha vida (...).
Chovia muito na manhã de sua chegada. (...) Abri a porta com o intuito de desvanecer o sentimento aterrador, mas imediatamente senti desabar as estruturas do sonho edificado. O Antero real não era o mesmo Antero das cartas. (...) Nenhuma distância se desdobrava de seu corpo, nenhum mistério ardia em seus olhos.
Minha contradição. Eu, que tanto reclamava em cartas a urgência de seu retorno, de repente, estava ali, desejosa de que ele reencontrasse a estrada que o trouxera. Eu, que augurei o entrelaço de seus braços, o calor de seu hálito a segredar-me confissões amorosas, o toque libidinoso de sua conduta de homem, via-me ali, aterrada no desconforto de minhas desilusões, vendo ser mitigadas as esperanças que durante tanto tempo alimentaram minha alma e a fizeram sobrevivente.
(...) Queria livrar-me daquela imposição material, virar-lhe as costas, reassumir o sossego do amor ausente, a carícia não cumprida, voltar a habitar o imaginado caminho que nunca nos permiti chegar.
O alimento do amor é a espera. A realização do desejo esgota a chama que o alimenta. O ausente desejado é infinitamente superior ao real recém-chegado. (...)
O meu desprezo fez do coração de Antero a casa da aflição.  (...)
Mas eu ainda espero é pelo Antero das cartas, aquele homem imaginado, distante, albergue onde se alojavam todos os mistérios do mundo, o homem miraculoso que visitava minha alma e nela espargia cestos fartos de esperança.
(...) No ventre de minhas ausências, eu gestei um homem, um intruso que se alimentava de minhas expectativas (...) É por ele que anseio todos os dias.
(...)O homem que amo não nasceu. (...) Olho para o meu rosto no espelho e descubro. Esse homem que tanto amo, espero e desejo sou eu mesma.”



Trecho de "O desapontamento do Amor" – Orfandades
Pe. Fábio de Melo

Nenhum comentário:

Postar um comentário