"A melancolia não é um estado
depressivo. Pode ser ou não. Não é isso que a define. A melancolia é o estado
de alma que nos aproxima do peso e do número das coisas. É o estado necessário
para a compreensão íntima da música. Uma pessoa que afaste a melancolia nunca
será - notam a aliteração? - um melómano, porque não apreende intuitivamente os
números e as grandezas - e a música não é mais que grandezas puras em diálogo,
onde apenas o timbre se insinua como elemento concreto a contaminar de
realidade material um objeto feito de vibrações e de tempo. Enquanto que os
estados despreocupados e luminosos nos conduzem à unidade do real, a melancolia
conduz à multiplicidade definida de cada instante, como acontecerá a um cego
que se orienta, no mundo, guiado pelas dimensões exatas e relações espaciais
definidas e de preferência não alteráveis. O melancólico vê em cada acidente do
real a excepção, sem desejar sistematizar o mundo em regras mais ou menos
constantes e, por isso, evita a ação por lhe faltarem os instrumentos com que
poderia redistribuir o real. Para o melancólico, o número é a quantidade
contemplável mas alheia a qualquer manipulação ou operação."
Texto publicado em: http://literaturas.blogs.sapo.pt/
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